Sendo assim, Oscar está liberado para que volte a jogar imediatamente. Agora o Internacional já estuda a possibilidade de o jogador estar entre os relacionados para o Gre-Nal desse domingo no Beira-Rio, as 16h.
Leia abaixo a decisão:
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Victor Russomano Junior, Fábio Tomas de Souza e Mozart Victor Russomano Neto em favor de Oscar dos Santos Emboaba Junior, apontando como autoridade coatora a egrégia 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que, nos autos da reclamação trabalhista nº 02770200904002001, deu provimento ao recurso ordinário para afastar a rescisão indireta do contrato de trabalho reconhecida em sentença e, em sede de embargos de declaração, restabeleceu o vínculo desportivo com o São Paulo Futebol Clube.
Alegam
os impetrantes que o v. acórdão regional teria retirado, "conforme a
manifestação da CBF, a ‘condição de jogo' do atleta e o impossibilita
até de trabalhar onde quiser, não podendo participar de quaisquer
competições oficiais em que esteja engajado - Campeonatos Gaúcho e
Brasileiro, Copas Libertadores e Sulamericana e quaisquer competições
internacionais oficiais, INCLUSIVE AS OLIMPÍADAS - e, ainda,
especialmente, faz o jogador se ver privado do direito à livre escolha
de onde e para quem trabalhar no melhor momento técnico de toda a sua
fulgurante e iniciante carreira desportiva, bem como impedindo sua
convocação para prestar serviços à Seleção Brasileira de Futebol, pois
dela somente podem participar atletas com condição de jogo vigente" (fl.
15 – numeração eletrônica).
Desse
modo, requerem a concessão de liminar para autorizar o paciente a
exercer livremente a sua profissão, participando de jogos e treinamentos
em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre
escolha.
É o relatório.
Passo à análise.
Historicamente,
pode-se afirmar que a garantia do habeas corpus ingressou no
ordenamento brasileiro em 1824, quando a então Constituição, denominada
Imperial, passou a contemplar o direito subjetivo à liberdade. A partir
de então, tal garantia passou a constar de todas as Constituições do
Brasil, sendo que, na vigente, encontra-se prevista no artigo 5º,
LXVIII, que assegura a concessão de "habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
Cumpre
registrar que, no âmbito trabalhista, o estudo do cabimento do habeas
corpus na Justiça do Trabalho encontra-se inevitavelmente atrelado à
alteração da competência material implementada no artigo 114 da
Constituição Federal, que foi ampliada com a promulgação da Emenda
Constitucional nº 45/2004.
Até
a edição da referida emenda constitucional, é certo que existia, no
âmbito jurisprudencial, forte divergência acerca da competência, ou não,
da Justiça do Trabalho para processar e julgar habeas corpus, ainda que
a autoridade coatora fosse um juiz ou um Tribunal do Trabalho. À época,
o debate girava em torno do cabimento do habeas corpus para as
hipóteses de depositário infiel, já que era pacífica a incompetência do
ramo trabalhista para a análise de questões criminais. Registre-se que o
STF e o STJ eram uníssonos pelo reconhecimento dessa incompetência.
Essa
controvérsia, todavia, restou superada pela referida ampliação que
atribuiu a esta Justiça Especializada expressa competência para a
apreciação de habeas corpus em matéria trabalhista.
Assim,
após a modificação implementada na atual Constituição Federal, verifico
na jurisprudência desta Colenda Corte que essa espécie de ação
constitucional tem sido predominantemente utilizada para impugnar
decisão que determina a prisão civil de depositário infiel.
Entendo,
contudo, que o cabimento de habeas corpus na Justiça do Trabalho não
pode estar restrito às hipóteses em que haja cerceio da liberdade de
locomoção do depositário infiel, pois, deste modo, estar-se-ia
promovendo o esvaziamento da norma constitucional, face ao
reconhecimento da inconstitucionalidade em relação a essa modalidade de
prisão civil.
Dessarte,
implica reconhecer que o alcance atual do habeas corpus há de ser
estendido para abarcar a ilegalidade ou abuso de poder praticado em face
de uma relação de trabalho. Vale dizer: pode ser impetrado contra atos e
decisões de juízes, atos de empregadores, de auditores fiscais do
trabalho, ou mesmo de terceiros.
Assim,
a interpretação a ser conferida à Constituição Federal não pode ser
literal ou gramatical, no sentido de se entender cabível o habeas corpus
apenas quando violado o direito à locomoção em seu sentido físico de
ir, vir ou ficar. Ao contrário, deve-se ampliar tal entendimento para
assegurar a utilização de tal ação constitucional com vistas à proteção
da autonomia da vontade contra ilegalidade ou abuso de poder perpetrado,
seja pela autoridade judiciária, seja pelas partes da relação de
trabalho. Há que se assegurar o livre exercício do trabalho, direito
fundamental resguardado pelos artigos 1º, IV, 5º, XIII, 6º e 7º da
Constituição Federal, bem como a dignidade da pessoa humana.
Nessa
linha, destaco o entendimento do Exmo. Ministro César Peluso, no
julgamento da ADI nº 3.684/DF, que, ao discorrer sobre o cabimento de
habeas corpus, destacou que "esse remédio constitucional pode, como sabe
toda a gente, voltar-se contra atos e omissões praticados no curso de
processos e até procedimentos de qualquer natureza, e não apenas no bojo
de investigações, inquéritos e ações penais".
Colho
do Supremo Tribunal Federal o seguinte precedente que, nos idos de
1968, já admitia o cabimento de habeas corpus para abarcar outras
hipóteses que não apenas o direito de locomoção do paciente:
"INCONSTITUCIONALIDADE
DO ART. 48, DO DL 314, DE 1967 (LEI DE SEGURANÇA). O HABEAS CORPUS E
MEIO IDONEO PARA ANULAR DESPACHO DO JUIZ QUE APLICA NO CURSO DO
PROCESSO, MEDIDA ADMINISTRATIVA QUE CORRESPONDE A SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO
DE DIREITOS DA PROFISSAO E DO EMPREGO EM EMPRESA PRIVADA. A MEDIDA
PREVENTIVA CORRESPONDE A UMA PENA ACESSORIA. A SUA APLICAÇÃO DEPENDE DE
CONDENAÇÃO EM PRECEITO QUE INCLUA TAMBÉM A APLICAÇÃO DE PENA ACESSORIA. A
INCONSTITUCIONALIDADE E DECRETADA POR FERIR OS ARTS. 150 CAPUT E 150
PAR. 35, DA CONSTITUIÇÃO PORQUE AS MEDIDAS PREVENTIVAS QUE IMPORTAM NA
SUSPENSÃO DE DIREITOS, AO EXERCICIOS DAS PROFISSÕES E O EMPREGO EM
EMPRESAS PRIVADAS, TIRA AO INDIVIDUO AS CONDIÇÕES PARA PROVER A VIDA E
SUBSISTENCIA. O PAR. 35, DO ART. 150, DA CONSTITUIÇÃO DE 1967,
COMPREENDE TODOS OS DIREITOS NÃO ENUMERADOS, MAS QUE ESTAO VINCULADOS AS
LIBERDADES, AO REGIME DE DIREITO E AS INSTITUIÇÕES POLITICAS CRIADAS
PELA CONSTITUIÇÃO. A INCONSTITUCIONALIDADE NÃO ATINGE AS RESTRIÇÕES AO
EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA PORQUE A LEGISLAÇÃO VIGENTE SOBRE
FUNCIONÁRIOS PUBLICOS, APLICAVEL A ESPÉCIE, ASSEGURA UMA PARTE DOS
VENCIMENTOS DOS FUNCIONÁRIOS ATINGIDOS PELO ART. 48, DO REFERIDO DECRETO
LEI. A INCONSTITUCIONALIDADE SE ESTENDE AOS PARAGRAFOS DO ART. 48,
PORQUE ESTES SE REFEREM A EXECUÇÃO DAS NORMAS PREVISTAS NO ARTIGO E
CONSIDERADAS INCONSTITUCIONAIS" (HC 45232, Relator: Min. THEMISTOCLES
CAVALCANTI, TRIBUNAL PLENO, julgado em 21/02/1968, DJ 17-06-1968
PP-02228 EMENT VOL-00721-02 PP-00792 RTJ VOL-00044-03 PP-00322).
Por
sua vez, Rui Barbosa já defendia a extensão do cabimento do presente
writ em hipóteses que envolvessem a restrição de direitos fundamentais.
Confira-se o seguinte trecho extraído da obra Ações Constitucionais,
Fredie Didier Jr., 5ª Ed., Salvador: Juspodium, 2011:
"A
amplitude do dispositivo deu azo à construção de doutrina, da qual Rui
Barbosa foi o principal expoente, que conferia ao writ um espectro de
abrangência que ultrapassava a tutela da liberdade de locomoção.
Conquanto não se desconhecesse que o uso do habeas corpus,
historicamente, sempre se destinara á salvaguarda da liberdade de ir,
ficar e vir, a inexistência de remédio célere e eficiente apto a
precatar outros direitos (como os políticos, de expressão, de reunião,
já consagrados constitucionalmente) impulsionou o manejo do habeas
corpus em defesa destes.
Para Rui Barbosa, ao texto constitucional abrangia as eventualidades de constrangimento arbitrário aos direitos individuais."
Assim, em cognição sumária, admito o habeas corpus em questão, passando à análise do pedido liminar.
Discute-se,
no presente writ, a restrição indevida ao direito fundamental de
locomoção do paciente – OSCAR DOS SANTOS EMBOABA JÚNIOR - em virtude de
decisão judicial proferida pela 16ª Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 2ª Região, que julgou improcedente o pedido de
reconhecimento de rescisão indireta e restabeleceu o vínculo desportivo
com o SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE.
Com
efeito, a obrigatoriedade da prestação de serviços a determinado
empregador nos remete aos tempos de escravidão e servidão, épocas
incompatíveis com a existência do Direito do Trabalho, nas quais não
havia a subordinação jurídica daquele que trabalhava, mas sim a sua
sujeição pessoal. Ora, a liberdade, em suas variadas dimensões, é
elemento indispensável ao Direito do Trabalho, bem como "a existência do
trabalho livre (isto é, juridicamente livre, é pressuposto
histórico-material do surgimento do trabalho subordinado (e via de
consequência, da relação empregatícia)" (DELGADO, Maurício Godinho.
Curso de Direito do Trabalho. São Paulo : LTr, 2003, p.84.).
No
presente caso, não há dúvidas que o paciente – OSCAR DOS SANTOS EMBOABA
JÚNIOR – considerou insustentável, no momento em que se desligou do SÃO
PAULO FUTEBOL CLUBE, a manutenção da relação de emprego então
existente, pelos diversos motivos que alegou na petição inicial de sua
Reclamação Trabalhista nº 2770.2009.040.002.00.1, os quais, a seu ver,
configurariam a rescisão indireta do seu contrato de trabalho.
A
existência ou não desses motivos, bem como a gravidade deles, a dar
ensejo à rescisão indireta do contrato de trabalho, é matéria afeta ao
processo ainda em trâmite perante o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região, sobre o qual não cabe manifestação judicial em sede do presente
writ.
É
patente, todavia, que a decisão judicial transitada em julgado nessa
reclamação trabalhista, quer procedente, quer improcedente, jamais
poderá impor ao trabalhador o dever de empregar sua mão de obra a
empregador ou em local que não deseje, sob pena de grave ofensa aos
princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana e da autonomia
da vontade, em torno dos quais é construído todo o ordenamento jurídico
pátrio.
Ademais,
o prévio afastamento do empregado em caso de alegação de rescisão
indireta configura exercício regular de um direito a ele garantido pela
norma jurídica, ao passo que, eventual improcedência do seu pleito não
acarreta o seu retorno ao antigo trabalho, mas dá ensejo, apenas, às
consequências previstas em lei, quais sejam, a absolvição do empregador
da falta a ele imputada e a conversão da rescisão indireta em pedido de
demissão, com as respectivas consequências pecuniárias.
Logo,
a determinação judicial de restabelecimento de vínculo desportivo –
acessório ao vínculo de emprego - proferida em reclamação trabalhista
ajuizada pelo trabalhador em face de suposta rescisão indireta, além de
afrontar os princípios basilares do nosso Direito, mostra-se totalmente
incongruente, na medida em que agrava a situação jurídica daquele que
submeteu sua demanda ao Poder Judiciário e excede os limites da lide,
impondo comando judicial incompatível com a pretensão inicial. Note-se,
nesse sentido, que, de acordo com a sentença prolatada na reclamação
trabalhista retromencionada, não houve reconvenção por parte do
empregador SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE a justificar, em tese, esse tipo de
determinação.
Desse
modo, a possibilidade do empregado rescindir unilateralmente o seu
contrato de trabalho, independentemente da configuração de justa causa
do empregador, decorre da autonomia da vontade e de sua liberdade
fundamental de escolha, não podendo ser tolhida sequer por decisão
judicial.
Em
contrapartida, em virtude da natureza sinalagmática de qualquer relação
de trabalho, submete-se o trabalhador que denuncia o contrato de
trabalho à respectiva cominação prevista em lei, que, no caso específico
do paciente, está disciplinada no artigo 28, § 3º, da Lei nº 9.615/98, o
qual estipula o pagamento de cláusula penal livremente acordada pelas
partes para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão
unilateral do contrato de trabalho do atleta profissional.
Noto,
nesse ponto, que o próprio caput do artigo 28 da Lei nº 9.615/98, ao
prever a pactuação de cláusula penal para hipóteses de rescisão
unilateral do contrato de trabalho, autoriza ao atleta profissional se
desligar da entidade desportiva a que vinculado mediante a
contraprestação pecuniária previamente acordada.
Acrescento
que a cláusula penal é uma compensação pecuniária pela rescisão
unilateral do contrato e não uma condição essencial para tanto, sob pena
de inviabilizar o distrato nos casos em que fixada em valores elevados,
tolhendo do empregado de suas liberdades fundamentais enquanto vigente o
contrato de trabalho.
Logo,
rescindido unilateralmente pelo atleta profissional o contrato de
trabalho, surge, para ele, a obrigação de pagar a respectiva cláusula
penal, somente. O inadimplemento desta obrigação de pagar, por sua vez,
não autoriza à entidade desportiva prejudicada cobrar do devedor a
prestação pessoal de serviços.
Dito
isso, tenho, em primeira análise, que a decisão judicial que determina o
restabelecimento obrigatório do vínculo desportivo com o SÃO PAULO
FUTEBOL CLUBE, em contrariedade à vontade do trabalhador, cerceia o seu
direito fundamental de exercício da profissão, razão pela qual concedo a
liminar em habeas corpus para autorizar o paciente a exercer livremente
a sua profissão, participando de jogos e treinamentos em qualquer
localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha.
Extraia-se cópia ao paciente desta concessão liminar.
Comunique-se à 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com urgência, para que preste as informações devidas.
Determino
a retificação da autuação e demais registros processuais, a fim de que
conste como autoridade coatora os Desembargadores da 16ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Publique-se.
Brasília, 26 de abril de 2012.
CAPUTO BASTOS
Ministro Relator
(O texto da decisão foi obtido no site do TST)